Rio de Sombras nasce em 1968 na guerra colonial, percorre a crise académica de Coimbra e a campanha da Oposição Democrática de 1969, vive os estertores do salazarismo e os alvores da "primavera marcelista", entra na clandestinidade, participa na Revolução de 25 de Abril de 1974, atravessa o PREC e o 25 de Novembro de 1976, sofre o cerco da Constituinte, a instabilidade dos sucessivos governos e, tendo conhecido os subterrâneos do poder, onde o Sol se faz sombra, reflecte sobre a democracia e o socialismo, até desaguar em 1988, no incêndio de Lisboa, que lhe serve de remate metafórico.
O livro desvenda, assim, alguns dos meandros da política portuguesa e dá testemunho de um tempo contraditório e bicéfalo, ora promissor, ora angustiante, em que as águas límpidas do sonho de Abril se transmudaram no lodo do desencanto, embora reste ainda uma nesga de esperança...
Talvez seja um romance histórico, porque, para além de uma trama amorosa e de outros enredos que trazem à liça instituições tão díspares como os partidos políticos, a PIDE e a Maçonaria, se serve, sem cair no memorialismo, de factos que muitos viveram e de figuras reais que todos conhecem. Mas pretende ser mais do que isso, na medida em que o real é aqui (re)vivido para urdir a intriga romanesca que alimenta o tema central: será a acção político-partidária compatível com a lisura de carácter? Há ainda na política lugar para a ética, como queria Hegel, ou apenas para a astúcia, como ensinou Maquiavel? E, se for este o caso, como parece pelo número cada vez maior dos seus discípulos, devem as pessoas sérias afastar-se da vida partidária, como acto de protesto, ou afrontar as labaredas em que se podem queimar?
O autor viveu os acontecimentos que lhe servem de matéria diegética, mas, ao contrário do que fez Velasquez nas Meninas, não se pintou no quadro. Por isso o livro só é autobiográfico na medida em que todo o escritor se escreve a si próprio e à sua circunstância, depondo esses nacos de memória na toalha branca da sinceridade. Fica também esclarecido que as figuras reais chamadas à narrativa, como Mário Soares, Salgado Zenha, Álvaro Cunhal, Sá Carneiro, Otelo, Spínola, Ramalho Eanes ou Cavaco Silva, não são personagens mas apenas referências históricas. As personagens que se movimentam nas malhas que a política tece são ficcionadas e, por isso, verdadeiras. A ficção é o rosto burilado da realidade.
Como diz o narrador, "aqui, contrariamente à asserção queirosiana, a nudez forte da verdade não se acoita sob o manto diáfano da fantasia, mas é a própria ficção que dá verosimilhança ao realmente acontecido".
Aproveito este preâmbulo para corrigir um lapso. O dactilógrafo deixou cair, na penúltima página do manuscrito, um passo importante: depois de saudar "um grupo de crianças que joga ao pião" e de transpor a "antiga muralha", Afonso "vê um lenço branco caído no chão, parece um adeus ali perdido à espera de quem o apanhe". Mas Afonso prossegue a caminhada.
Corrigido o lapso e reposta a integridade do texto, talvez se compreenda melhor a alegoria da muralha e das crianças a jogar ao pião, como se fizessem rodar o mundo...
Rio de Sombras
Autor(s)
António Arnaut
21.20€ 19.08€ -10%
Editora:
Coimbra Editora
Ano:
2007
Nº Páginas:
375
Peso:
0.600 Kg
Dimensões:
230x155x25 mm
ISBN:
9789723215335
Categoria(s)
Autores Portugueses
Adicionar ao Carrinho
Disponibilidade:
Em Stock