Porta do Inferno, A

Eis um livro simultâneamente ambíguo e cristalino, porque se socorre, e tantas vezes, do conhecimento mais íntimo e, portanto, menos decifrável dos caminhos que em cada homem a vida soluciona, e porque não despreza a realidade, mas sem pactuar com o verismo, do que mais interessa no jogo em que uma sociedade se ilude.
Eis-nos, assim, perante solicitações já enunciadas em Três Semanas em Maio e diante de um novo escritor comprometido.
O compromisso, porém, atinge aqui uma inusitada dimensão, quer quando ataca a degradação progressiva de um viver que perdeu o sentido rígido que era hábito exigir-lhe, quer quando se preocupa com estratos sociais que, embora de todos conhecidos, têm sido evitados ou negligenciados.
Novelas longas ou puras narrativas ainda encadeadas num nexo de compreensão onde o Autor omnisciente raro se denuncia, discursos poéticos ou desespero organizado, as peças literárias fundem-se num mesmo caminho de intenções e ilustram um tema central que domina personagens e ambientes: a morte. E a diversas assistimos, impotentes, desde a morte do cobarde à morte do mito do herói; desde a morte natural à autodestruição; desde o fim das ilusões à morte quotidiana, quase vegetal, a morte-vida de todos os que vivem por puro acaso...
E, por puro acaso, a própria felicidade acaba por ser submetida pela angústia do desconhecimento de essencialidades que são letra morta, ou que a ninguém convencem, nem mesmo quanto a felicidade é apenas um sonho que tenta ainda opor-se à violência implacável da mais sórdida das condições de sobrevivência. Eis um livro sobre a impossibilidade de sobreviver.